14 comentários em “Contos de Hans Christian Andersen

  1. Eu acho que seria bacana se colocasem as historias de Hans Christian Andersen, pois foi isso que eu procurei mais ñ achei em nenhum site, então daria exclusividade pra vcs.

  2. Poxa eu procuro há tempos o conto “A Criança Morta” d Andersen,que eu cheguei a ler na edição d “Histórias e Contos de Fadas” obra completa,da ed. Villa Rica.

    • A Rainha das Neves

      Um maldoso anão tinha fabricado um espelho mágico, que transformava em más pessoas, todos os que nele se mirassem. Mas o espelho quebrou-se e seus pedaços foram se espalhando pelo mundo. Dois deles foram para uma sacada onde brincavam duas crianças, Gerda e Pedro, e penetraram nos olhos e no coração do menino que, desde aquele momento, se transformou, de bom, no pior garoto da cidade. Pedro era um rapaz inteligente e bom, que cuidava de lindíssimas rosas na varanda de casa competindo com sua amiga Carina, que morava em frente dele. Desde aquele dia, Pedro se tornou ruim e invejoso, fazendo de tudo para machucar Carina.
      Quando o inverno chegou, ia Pedro, um dia, pelas ruas cobertas de neve, montado em seu pequeno trenó, quando viu um grande trenó branco, que corria velozmente. Enganchou o seu naquele e, desse modo, fez-se arrastar na vertiginosa carreira. Mas viu, logo depois, com terror, que o misterioso veículo saía das muralhas da cidade e precipitava-se pelos campos. Por fim, o trenó se deteve e dele desceu a Rainha das Neves, completamente vestida de gelo, que lhe sorria e o chamava. Ele não resistiu e abraçou-a. Ela se inclinou para o menino, beijando-o. Ao sentir aquele beijo, Pedro sentiu-se gelado e adormeceu. A fada tomou-o nos braços e levou-o ao seu longínquo país em um trenó de prata puxado por águias indo para o Reino da Neve.

      Os dias passavam e Gerda em vão esperava Pedro, que não regressava. Afinal, resolveu ir procurá-lo pelo mundo. Dirigiu-se para o rio, subiu numa barquinha e deixou-se levar pela correnteza. A embarcação, depois de muito navegar, foi deter-se num jardim cheio de flores, onde havia uma velha, que acolheu carinhosamente a menina Gerda e conduziu-a a uma pequena casa feita de vidros coloridos. Ali penteou-a com um pente mágico e a menina de tudo se esqueceu e ficou, naquele jardim encantado, vivendo muito feliz. Um dia, entretanto, viu umas rosas, que lhe recordaram o roseiral por ela plantado, com o auxílio de Pedro, na sua pequena sacada, em casa, e voltou-lhe à mente a lembrança do irmão desaparecido. Resolvida a encontrá-lo, fugiu para o bosque e caminhou muito, sem sentir-se fatigada, até que encontrou uma menina, que morava numa casa meio em ruínas. A desconhecida, ao ouvir a história de Gerda, quis ajudá-la e levou-a para sua casa, onde perguntou aos pombos, pousados no telhado, se sabiam alguma coisa a respeito de Pedro. “Sim!” responderam eles. A Rainha das Neves o levou com ela.

      A menina do bosque deu-lhe, então, um magnífico cervo que possuía havia tempo, dizendo ao animal: “Devolvo-te a liberdade, mas, em troca, leva esta minha amiga ao palácio da Rainha das Neves, que se acha em teu país.” Em seguida, ajudou a pobre Gerda a montar no lombo do animal, que partiu em disparada. Atravessaram campos, bosques, pântanos e, por fim, chegaram à Finlândia, onde estava situado o castelo da fada e o cervo fez a menina descer no jardim.

      Ao ficar sozinha, Gerda viu caírem a seu redor grandes flocos de neve, que se juntaram, procurando afogá-la. Mas a menina orou com fervor e, imediatamente, tudo se acalmou. Então, a menina entrou no castelo, onde encontrou Pedro, que estava só e não a reconheceu. Gerda abraçou-o, chorando e suas lágrimas, ao penetrarem no coração do menino, fizeram sair o fragmento do espelho, que nele se havia encravado. Pedro também chorou e, desse modo, o outro fragmento que havia penetrado em seus olhos, também saiu. O menino, só então, reconheceu sua pequena amiga e com ela fugiu daquela prisão gelada. O cervo esperava-os lá fora para levá-los de volta ao seu país e depois de uma longa caminhada, chegaram às suas casas para de novo cultivar suas belas rosas.

    • Tenho um livretinho em casa, bem antigo, com vinte contos diferentes de Andersen. Há, inclusive o conto “A Sombra” e o conto “A Princesa e a Ervilha”. Escrevi-o abaixo.

    • A Rainha das Neves

      Um maldoso anão tinha fabricado um espelho mágico, que transformava em más pessoas, todos os que nele se mirassem. Mas o espelho quebrou-se e seus pedaços foram se espalhando pelo mundo. Dois deles foram para uma sacada onde brincavam duas crianças, Gerda e Pedro, e penetraram nos olhos e no coração do menino que, desde aquele momento, se transformou, de bom, no pior garoto da cidade. Pedro era um rapaz inteligente e bom, que cuidava de lindíssimas rosas na varanda de casa competindo com sua amiga Carina, que morava em frente dele. Desde aquele dia, Pedro se tornou ruim e invejoso, fazendo de tudo para machucar Carina.
      Quando o inverno chegou, ia Pedro, um dia, pelas ruas cobertas de neve, montado em seu pequeno trenó, quando viu um grande trenó branco, que corria velozmente. Enganchou o seu naquele e, desse modo, fez-se arrastar na vertiginosa carreira. Mas viu, logo depois, com terror, que o misterioso veículo saía das muralhas da cidade e precipitava-se pelos campos. Por fim, o trenó se deteve e dele desceu a Rainha das Neves, completamente vestida de gelo, que lhe sorria e o chamava. Ele não resistiu e abraçou-a. Ela se inclinou para o menino, beijando-o. Ao sentir aquele beijo, Pedro sentiu-se gelado e adormeceu. A fada tomou-o nos braços e levou-o ao seu longínquo país em um trenó de prata puxado por águias indo para o Reino da Neve.

      Os dias passavam e Gerda em vão esperava Pedro, que não regressava. Afinal, resolveu ir procurá-lo pelo mundo. Dirigiu-se para o rio, subiu numa barquinha e deixou-se levar pela correnteza. A embarcação, depois de muito navegar, foi deter-se num jardim cheio de flores, onde havia uma velha, que acolheu carinhosamente a menina Gerda e conduziu-a a uma pequena casa feita de vidros coloridos. Ali penteou-a com um pente mágico e a menina de tudo se esqueceu e ficou, naquele jardim encantado, vivendo muito feliz. Um dia, entretanto, viu umas rosas, que lhe recordaram o roseiral por ela plantado, com o auxílio de Pedro, na sua pequena sacada, em casa, e voltou-lhe à mente a lembrança do irmão desaparecido. Resolvida a encontrá-lo, fugiu para o bosque e caminhou muito, sem sentir-se fatigada, até que encontrou uma menina, que morava numa casa meio em ruínas. A desconhecida, ao ouvir a história de Gerda, quis ajudá-la e levou-a para sua casa, onde perguntou aos pombos, pousados no telhado, se sabiam alguma coisa a respeito de Pedro. “Sim!” responderam eles. A Rainha das Neves o levou com ela.

      A menina do bosque deu-lhe, então, um magnífico cervo que possuía havia tempo, dizendo ao animal: “Devolvo-te a liberdade, mas, em troca, leva esta minha amiga ao palácio da Rainha das Neves, que se acha em teu país.” Em seguida, ajudou a pobre Gerda a montar no lombo do animal, que partiu em disparada. Atravessaram campos, bosques, pântanos e, por fim, chegaram à Finlândia, onde estava situado o castelo da fada e o cervo fez a menina descer no jardim.

      Ao ficar sozinha, Gerda viu caírem a seu redor grandes flocos de neve, que se juntaram, procurando afogá-la. Mas a menina orou com fervor e, imediatamente, tudo se acalmou. Então, a menina entrou no castelo, onde encontrou Pedro, que estava só e não a reconheceu. Gerda abraçou-o, chorando e suas lágrimas, ao penetrarem no coração do menino, fizeram sair o fragmento do espelho, que nele se havia encravado. Pedro também chorou e, desse modo, o outro fragmento que havia penetrado em seus olhos, também saiu. O menino, só então, reconheceu sua pequena amiga e com ela fugiu daquela prisão gelada. O cervo esperava-os lá fora para levá-los de volta ao seu país e depois de uma longa caminhada, chegaram às suas casas para de novo cultivar suas belas rosas.

  3. Mais um conto de Hans Christian Andersen para seu blog:

    O ANJO

    “Cada vez que uma boa criança morre, um anjo de Deus desce à Terra, toma-a morta em seus braços, abre as grandes asas brancas, voa para todos os lugares de que a criança gostou, colhe um punhado de flores e as leva a Deus para que lá vicejem, ainda mais lindas que na Terra. O bom Deus estreita todas as flores contra o coração e beija a que lhe é mais querida, fazendo-a adquirir voz e cantar no coro da grande bem-aventurança.”

    Tudo isso um anjo de Deus contava a uma criança que voltava para a casa de Deus, enquanto a levava ao céu, e a criança tudo ouvia como num sonho. Passaram pelos lugares onde a criança brincara, e por jardins com lindas flores.
    — Quais as que levaremos para plantar no céu? — perguntou o anjo.
    Viram uma esbelta roseira, cujo tronco mãos malvadas haviam quebrado, de maneira que todos os ramos, cheios de grandes botões entreabertos, dela pendiam murchos.
    — Pobre roseira! — disse a criança. — Leva-a, para que floresça lá no alto, junto a Deus.
    O anjo levou a planta e beijou a criança, que abriu um pouco os olhos. Colheram ricas flores de luxo, mas levaram também o singelo malmequer e o amor-perfeito agreste.
    — Agora, sim, temos flores! — disse a criança.
    O anjo fez com a cabeça um sinal de assentimento; mas ainda não voaram para o céu, rumo a Deus. Era noite, o silêncio era completo. Ficaram na grande cidade, percorrendo uma das ruas mais estreitas, onde jaziam montões de palha, cinzas e detritos. Fora dia de mudança, e viam-se esparramados a esmo, pelo chão, cacos de louça, fragmentos de gesso, trapos e fôrmas de chapéu, enfim, coisas sem valor.
    Em meio àquela desordem, o anjo apontou uns cacos de barros e um pedaço que se desprendera do vaso que estava preso às raízes de uma planta campestre, seca, que não valia nada e fora atirada à rua.
    — Vamos levá-la — disse o anjo.
    — Vou contar-te a história dela, enquanto voamos para o alto.
    Voaram para o alto e o anjo contou:
    “Lá embaixo, numa estreita viela, morava, num porão baixo, um menino pobre e doente. Desde pequeno vivia ele preso ao leito. Nos seus dias melhores, podia, quando muito, de muletas, andar umas poucas vezes de um lado para outro do seu pequenino quarto,e mais nada. Uns poucos dias por ano, no verão, os raios do sol atingiam durante meia hora a salinha do porão; e quando o menino recebia o calor deles, e via o sangue vermelho em seus dedos transparentes, que erguia em frente ao rosto, dizia: ‘Hoje, sim, ele saiu.’ Só conhecia a mata em seu verdor primaveril, porque seu amiguinho, o filho do vizinho, lhe trazia um primeiro galho de faia. Segurava o galho acima da cabeça e ficava sonhando que estava embaixo das árvores, onde brilhava o sol e os pássaros cantavam. Num dia de primavera, o filho do vizinho trouxe-lhe também flores do campo, e entre eles havia, por obra e graça de Deus, uma planta com raiz. Foi plantada num vaso de barro e colocada na janela, bem perto da cama. A flor fora plantada por uma mão feliz; cresceu, deitou novos brotos e todos os anos sempre lhe floresciam novas flores. Tornou-se o jardim do menino doente, seu pequeno tesouro na Terra. Ele molhava-a, cuidava dela, zelando para que ela recebesse todos os raios de sol, até o último deles, que penetrava pela janelinha baixa. A flor povoou-lhe os sonhos, pois só para ele crescia e espalhava o seu aroma, alegrando-lhe os olhos. Para ela voltou-se ele na morte, quando o Senhor o chamou. Fez agora um ano que o menino está com Deus. Um ano inteiro a flor passou esquecida na janela. Secou, e, por isso, foi atirada ao monturo, por ocasião da mudança. Ela é a flor pobre e murcha que levamos no buquê; causou mais alegria que a mais rica flor causaria no jardim de uma rainha.”

    — Mas como sabes tudo isso? — perguntou a criança que o anjo ia levando para o céu.
    — Eu o sei — respondeu o anjo — porque aquele menino doente, que andava de muletas… era eu mesmo. Não podia deixar de reconhecer a minha flor!

    A criança abriu os olhos e fitou o rosto radiante e belo do anjo. Naquele mesmo instante chegavam ao céu, onde havia alegria e ventura. Deus estreitou contra o coração a criança morta, e ela ganhou asas, como o outro anjo. Deus apertou todas as flores de encontro ao coração e beijou a pobre flor murcha, que adquiriu voz e cantou em coro, com todos os anjos que adejavam em torno, alguns bem perto, outros ao redor dos primeiros, em grandes círculos, mais distantes, e até no infinito, mas todos gozando a mesma ventura. E todos cantaram, os grandes e os pequenos, em louvor da boa e abençoada criança, que agora era também um anjo, e da pobre flor campestre que jazera murcha, atirada à lata de lixo, entre detritos no beco estreito e escuro, que agora vicejava bela, com o beijo de Deus.

  4. Mais um conto de Hans Christian Andersen para o seu blog.

    A Rainha das Neves

    Um maldoso anão tinha fabricado um espelho mágico, que transformava em más pessoas, todos os que nele se mirassem. Mas o espelho quebrou-se e seus pedaços foram se espalhando pelo mundo. Dois deles foram para uma sacada onde brincavam duas crianças, Gerda e Pedro, e penetraram nos olhos e no coração do menino que, desde aquele momento, se transformou, de bom, no pior garoto da cidade. Pedro era um rapaz inteligente e bom, que cuidava de lindíssimas rosas na varanda de casa competindo com sua amiga Carina, que morava em frente dele. Desde aquele dia, Pedro se tornou ruim e invejoso, fazendo de tudo para machucar Carina.
    Quando o inverno chegou, ia Pedro, um dia, pelas ruas cobertas de neve, montado em seu pequeno trenó, quando viu um grande trenó branco, que corria velozmente. Enganchou o seu naquele e, desse modo, fez-se arrastar na vertiginosa carreira. Mas viu, logo depois, com terror, que o misterioso veículo saía das muralhas da cidade e precipitava-se pelos campos. Por fim, o trenó se deteve e dele desceu a Rainha das Neves, completamente vestida de gelo, que lhe sorria e o chamava. Ele não resistiu e abraçou-a. Ela se inclinou para o menino, beijando-o. Ao sentir aquele beijo, Pedro sentiu-se gelado e adormeceu. A fada tomou-o nos braços e levou-o ao seu longínquo país em um trenó de prata puxado por águias indo para o Reino da Neve.

    Os dias passavam e Gerda em vão esperava Pedro, que não regressava. Afinal, resolveu ir procurá-lo pelo mundo. Dirigiu-se para o rio, subiu numa barquinha e deixou-se levar pela correnteza. A embarcação, depois de muito navegar, foi deter-se num jardim cheio de flores, onde havia uma velha, que acolheu carinhosamente a menina Gerda e conduziu-a a uma pequena casa feita de vidros coloridos. Ali penteou-a com um pente mágico e a menina de tudo se esqueceu e ficou, naquele jardim encantado, vivendo muito feliz. Um dia, entretanto, viu umas rosas, que lhe recordaram o roseiral por ela plantado, com o auxílio de Pedro, na sua pequena sacada, em casa, e voltou-lhe à mente a lembrança do irmão desaparecido. Resolvida a encontrá-lo, fugiu para o bosque e caminhou muito, sem sentir-se fatigada, até que encontrou uma menina, que morava numa casa meio em ruínas. A desconhecida, ao ouvir a história de Gerda, quis ajudá-la e levou-a para sua casa, onde perguntou aos pombos, pousados no telhado, se sabiam alguma coisa a respeito de Pedro. “Sim!” responderam eles. A Rainha das Neves o levou com ela.

    A menina do bosque deu-lhe, então, um magnífico cervo que possuía havia tempo, dizendo ao animal: “Devolvo-te a liberdade, mas, em troca, leva esta minha amiga ao palácio da Rainha das Neves, que se acha em teu país.” Em seguida, ajudou a pobre Gerda a montar no lombo do animal, que partiu em disparada. Atravessaram campos, bosques, pântanos e, por fim, chegaram à Finlândia, onde estava situado o castelo da fada e o cervo fez a menina descer no jardim.

    Ao ficar sozinha, Gerda viu caírem a seu redor grandes flocos de neve, que se juntaram, procurando afogá-la. Mas a menina orou com fervor e, imediatamente, tudo se acalmou. Então, a menina entrou no castelo, onde encontrou Pedro, que estava só e não a reconheceu. Gerda abraçou-o, chorando e suas lágrimas, ao penetrarem no coração do menino, fizeram sair o fragmento do espelho, que nele se havia encravado. Pedro também chorou e, desse modo, o outro fragmento que havia penetrado em seus olhos, também saiu. O menino, só então, reconheceu sua pequena amiga e com ela fugiu daquela prisão gelada. O cervo esperava-os lá fora para levá-los de volta ao seu país e depois de uma longa caminhada, chegaram às suas casas para de novo cultivar suas belas rosas.

  5. A sombra – Hans Christian Andersen
    Postado em 07/03/2009 por Beatrix .
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    Nos países quentes, o sol possui um outro ardor que o nosso não tem. As pessoas tornam-se acajus. Nas regiões mais quentes ainda, chegam a ser negras.
    Mas foi justamente para um desses países cálidos que um sábio de nossos países frios resolveu ir. Imaginava que poderia circular por ali como em nossa pátria; mas logo se desiludiu.
    Assim como todas as pessoas razoáveis, ele era forçado a ficar em casa, com as venezianas e as portas fechadas durante o dia inteiro. Dir-se-ia que todos dormiam na casa, ou que esta não era habitada. Além do mais, a rua onde ele morava ficava situada de tal maneira, que desde manhã o sol batia na casa toda. Era verdadeiramente insuportável.
    Este sábio dos Países frios era um homem jovem e inteligente. Parecia-lhe estar sobre um fogo em brasa. Como sofria. Emagrecia ao extremo, mesmo sua sombra diminuía. Estava bem menor do que em sua pátria. Estava ficando assim por causa do sol. Só se animava à noite, quando o sol desaparecia. Então era um prazer vê-lo e à sua sombra.
    Assim que ele levava a luz para o apartamento, a sombra se alongava na parede até o teto. Crescia e se estendia a fim de refazer ao forças. O sábio ia para a varanda e assim que as estrelas luziam no céu claro, ele era inundado de uma vida nova. Em todas as varandas rua – e nos países quen tes quase todas janelas possuem a sua varanda – as pessoas se mostravam. Pois é preciso tomar ar, mesmo quando se está acostumado a ser acaju.
    A vida se manifestava em todas as formas. Muitas pessoas andavam pelas ruas; levavam para fora as mesas e cadeiras; havia luzes por todos os lados.
    Conversavam e cantavam; havia uma multidão de transeuntes e de carros. Cavalos e mulas passavam tilintando, pois possuíam campainhas.
    Enterravam seus mortos em meio aos cânticos; as crianças faziam barulho; os sinos das igrejas tocavam. Havia vida e movimento nas ruas. Somente a casa que ficava em frente à do sábio estrangeiro permanecia silenciosa.
    No entanto, ali devia habitar alguém; pois na varanda havia flores que aproveitavam esplendidamente o calor do sol, o que não seria possível se não fossem, regadas, o que queria dizer que alguém as regava.
    Forçosamente morava alguém naquela casa. Além do mais, a porta se abria também à noite; mas o interior era sombrio, pelo menos no primeiro aposento, pois ouvia-se música vinda do fundo. Esta parecia ao sábio incomparavelmente bela.
    Talvez fosse fruto da sua imaginação: ele acharia tudo maravilhoso nos países cálidos, se o sol não fosse tão forte. O senhorio do estrangeiro dizia não saber quem alugara a casa em frente: jamais se via alguém. Quanto à música, na sua opinião, era muito enfadonha; achava que uma criatura exercitava uma peça muito difícil para ela, e, já que não conseguia tocá-la satisfatoriamente, tornava a recomeçá-la.
    – Acabará conseguindo, não há dúvida.
    Mas por mais que tocasse, não o conseguia. Certa noite o estrangeiro acordou. Ele dormia perto da porta aberta da varanda, da qual pendia uma cortina que balançava ao vento. Pareceu-lhe que da varanda em frente vinha uma luz extraordinária. No meio das flores que brilhavam com as cores mais magníficas, encontrava-se uma jovem amável e bonita. Parecia até que ela também brilhava. Ele ficou completamente cego; lá não havia nada de extraordinário; ele abrira demais os olhos e acabava de sair do sono. De um salto, ele abriu a cortina. Mas a moça desaparecera e, com ela, toda a luminosidade.
    As flores não – brilhavam mais e só tinham a sua beleza costumeira.
    A porta estava encostada. E do fundo do apartamento vinha uma música agradável, suave, própria para despertar os mais doces pensamentos. Era um verdadeiro encantamento. Quem moraria ali? E onde ficava a entrada? No rés-do-chão as boutiques se seguiam e era impossível passar por ali constantemente. Certa noite, o estrangeiro estava também na sua varanda. Atrás dele, em seu quarto, a luz estava acesa. E assim, era natural que sua sombra se desenhasse
    na parede em frente. Sim, ela estava lá, na varanda, no meio das flores, e de cada vez que o estrangeiro fazia um movimento, a sombra fazia outro correspondente.
    – Creio que minha sombra é tudo o que possa existir de vivo lá dentro – disse o sábio. – Como é ela graciosa assim no meio das flores! A porta não está senão encostada. Ela poderia ser bem sabida para entrar, examinar o que há no interior, e, ao voltar, contar-me o que viu. Sim, sim – disse ele brincando. – Você bem podia prestar-me esse serviço. Faça o favor de entrar. Vamos, você não quer ir? Debruçou-se sobre a sua sombra que lhe respondeu:
    – Vá! mas não fique muito tempo.
    0 estrangeiro levantou-se. Na sua frente, na varanda, sua sombra levantou-se também. Ele virou-se e a sombra fez o mesmo. E se alguém prestasse atenção, veria a sombra passar pela porta entreaberta da varanda da frente, justamente no momento em que o estrangeiro penetrava em seu quarto, deixando cair a cortina atrás dele.
    Na manhã seguinte, o sábio saiu a fim de tomar café e comprar os jornais.
    – Que é isso? – gritou ele assim que ficou sob o sol.
    – Eis que eu não tenho mais sombra! Então ela partiu ontem à noite e não mais voltou. Isso é muito estranho!
    Não era tanto a perda da sombra que lhe trazia tanto mau humor. Mas na terra dele, nos países frios, todos conheciam a história do homem que perdera a sombra. Atualmente, se ele voltasse ao seu país e contasse sua aventura, iriam chamá-lo de plagiário. E isso o contrariava. Eis por que resolveu não dizer nada, o que era muito sensato.
    A noite ele voltou à sua varanda; colocara a luz bem atrás de si, sabendo que a sombra exige que seu dono esteja entre ela e a luz. Mas não conseguiu fazê-la voltar. Abaixou-se e levantou-se. Não possuía mais sombra, não apareceu nenhuma.
    – Hum! hum! – fez ele. O que não adiantou de nada.
    Era verdadeiramente enfadonho. Felizmente tudo passa depressa; no fim de oito dias, ele se deu conta, para grande alegria, que, assim que chegava ao sol, uma nova sombra começava a estender-se aos seus pés. Três semanas mais tarde, ele já possuía uma sombra bem razoável.
    E quando voltou para o seu pais, em direção ao Norte, ela crescia à medida que ele viajava, crescendo tanto,
    que dentro em breve alcançou a metade do seu tamanho. O sábio voltou para casa e escreveu sobre o belo, a verdade e o bem no mundo. Passaram-se anos. Um longo tempo se passou.
    Uma noite em que estava sentado em seu apartamento, bateram ligeiramente na porta.
    – Entre – disse ele.
    Mas não entrou ninguém. Então ele mesmo foi abrir.
    Na sua frente estava um ente magro ao extremo, que lhe causou uma estranha impressão, mas que, ao examiná-lo, o sábio viu que estava elegantemente vestido. Devia ser alguma pessoa de bem.
    – A quem tenho a honra de falar? perguntou o sábio.
    – Ah! bem que eu duvidava que você não me reconheceria – disse o homem elegante. – Tornei-me muito material.
    Ganhei carne e ossos. E, sem dúvida não pensava em me ver em tão bom estado. Não reconhece a sua velha sombra? Certamente não esperava que eu voltasse. Tive uma sorte extraordinária, depois que o deixei. Consegui meios sob todos os pontos-de-vista. E tive a possibilidade de me livrar da minha servidão. Ao mesmo tempo fez soar uma quantidade de berloques preciosos que pendiam de seu relógio e passou a mão por uma corrente de ouro maciço que trazia ao pescoço. Em todos os seus dedos diamantes lançavam chispas. E nenhuma dessas jóias era falsa.
    – Não, não posso acreditar! – disse o sábio. – Como é
    possível?
    – Não é muito comum, realmente disse a sombra.
    – Mas você também não é uma pessoa comum, e eu, sabe-o muito bem, segui-o desde a infância. Assim que me julgou bastante amadurecido para deixar-me só no mundo, segui a minha própria vida. Encontro- me numa situação das mais brilhantes. Mas uma espécie de nostalgia tomou conta de mim e a vontade de vê-lo mais uma vez antes da sua morte, pois você – é claro – vai morrer um dia. Além do mais, queria rever este país; sempre se ama a própria pátria. Sei
    que arranjou uma outra sombra. Tenho algo a pagar-lhe, ou a ela? Peço-lhe o favor de dizer-me.
    – Não! Então é você mesmo! – disse o sábio. – É maravilhoso. Nunca pensei que poderia ver novamente a minha velha sombra sob uma forma humana.
    – Diga-me o quanto tenho de pagar disse a sombra. – Não gosto de ter dívidas.
    – Como pode falar dessa maneira – disse o sábio.
    – Não se trata de dívida. Use a sua liberdade como todo mundo faz. Estou muito contente com a sua felicidade. Sente-se, meu velho amigo. e conte-me tudo o que lhe aconteceu e o que você viu nos países quentes na casa do meu vizinho da frente.
    – Contarei tudo – disse a sombra sentando-se – mas prometa-me em troca que não dirá a ninguém aqui, nesta cidade onde terá várias ocasiões de encontrar-m
    e, que eu fui sua sombra. Estou pretendendo ficar noivo. Possuo o suficiente para manter uma família.
    – Pode ficar tranqüilo – disse o sábio. – Não contarei a ninguém quem você é na realidade. Prometo. Um verdadeiro homem só tem uma palavra.
    – Um verdadeiro homem só tem uma palavra – repetiu a sombra que era obrigada a se exprimir assim.
    Era realmente espantoso constatar como ele se tornara um homem perfeito. Seu traje negro era do tecido mais fino; usava botinas de verniz e um chapéu?claque? elegante, sem falar nos berloques que já conhecemos, da corrente de ouro e dos anéis. Sim, a sombra estava impecavelmente trajada e é justamente isso que faz um homem.
    – Voou contar-lhe – disse a sombra pousando o mais forte que pôde o pé calçado de verniz sobre a nova sombra do sábio, que jazia à sua frente como um travesseiro, fosse por orgulho ou por querer descansar.
    A nova sombra, porém, quedou-se tranqüila: sem dúvida queria saber também como poderia livrar-se de seu amo.
    – Sabe quem morava na casa nossa vizinha? – perguntou a sombra.
    – O que há de mais belo; a poesia.
    Fiquei lá três semanas, as quais aproveitei como se tivesse vivido três mil anos, lendo todos os poemas e todas as obras dos sábios. Estou dizendo a verdade.
    Li tudo e aprendi tudo.
    – A poesia! – exclamou o sábio.
    – Sim, sim, ela vive solitária nas grandes cidades. A poesia vi-a um breve instante, mas dormia ainda. Ela estava na varanda, entrou pela porta e depois …
    – Depois eu fui até a antecâmara prosseguiu a sombra. – Não havia luz; reinava uma espécie de penumbra. Os aposentos numerosos estavam dispostos em fila e pelas portas abertas podia-se vê-los com um só olhar. Estavam tão claros como em pleno dia e a violência desse mar de luz certamente me teria matado, se eu me aproximasse da jovem. Mas fui prudente e soube o que fazer.
    – Que viu a seguir? – perguntou o sábio.
    – Eu tudo vi. Vi tudo e sei de tudo!
    – Como eram os aposentos lá dentro? interrogou o sábio.
    – Eram como na fresca floresta? Como uma santa igreja? As salas eram como um céu de estrelas, como quando se está nas altas montanhas?
    – Tudo estava lá – disse a sombra. Não entrei totalmente; permaneci na primeira peça, na penumbra, mas encontrava-me perfeitamente bem. Sei tudo e vi tudo. Eu estava na corte da poesia, na sua antecâmara.
    – Mas que foi que viu? Os deuses da antigüidade estavam nas grandes salas? Os antigos heróis e os combatentes? Crianças amáveis brincavam e narravam seus sonhos?
    – Vou contar-lhe e você vai compreender o que eu vi e o que havia para ver. Passando pelo outro lado, pas-
    saria pelos limites da humanidade. Eduquei-me, aprendi a conhecer a minha própria natureza e minhas relações com a poesia. Outorga, quando estava ao seu lado, eu não raciocinava. Desde que o sol nascia e se punha, eu me tornava bastante grande.
    Ao luar eu ficava do seu tamanho. Naquele tempo eu não conhecia a minha própria natureza; só percebi a sua essência na antecâmara da poesia: tornei-me um homem. Somente, como ser humano, envergonhava-me de sair como estava: faltavam-me roupas, sapatos, todo o verniz que dá significação à humanidade.
    Procurei um abrigo, e – posso confessar-lhe, pois que você não vai dizer a ninguém – encontrei-o nas vestes de uma cozinheira. A honesta mulher nunca soube da proteção que me deu. Parti naquela mesma noite. E corri para cá e para lá, na rua, sob o luar. Encostava-me nas paredes. Corri da direita para a esquerda, olhei pelas mais altas janelas dos apartamentos e sobre os tetos. Lancei um olhar até onde ninguém pode fazê-lo e onde ninguém me poderia ver. Afinal, o mundo é mau.
    Não gostaria de ser homem, se não fosse admitido comumente que ser homem significa algo. Eu vi, em casa de homens e mulheres, nas casas de pais de crianças doces e angélicas, as coisas mais incríveis.
    Eu vi, disse a sombra, o que ninguém deveria saber, mas que todo mundo precisava conhecer, a maldade de seus vizinhos.
    O que eu teria de leitores se possuísse um jornal! Mas eu escrevi da mesma forma às pessoas interessadas.
    O terror tomou conta de toda as cidades onde eu chegava. Como me temiam, comportavam-se corretamente para comigo. Os professores me elevaram à sua condição, os alfaiates deram-me roupas novas, de maneira que pude andar bem vestido.
    Deram-me também dinheiro e as mulheres diziam que eu era lindo. Foi assim que me transformei no que sou hoje. Agora vou dizer-lhe adeus. Aqui está o meu cartão. Moro do lado do sol, e, quando chove, fico sempre em casa.
    Depois disso, a sombra se foi.
    – Eis uma coisa notável – disse o sábio.
    Passaram-se alguns anos e a sombra voltou inopinadamente.
    – Como vão as coisas?
    – Ora! – respondeu o sábio – escrevi sobre a bondade, a verdade e a beleza; mas para isso só existe gente surda. Estou desesperado, pois isso me entristece muito.
    – Nunca me entristeço – respondeu a sombra.
    – E? por isso que engordo, o que deve ser a finalidade de todo indivíduo razoável. Você continua a não entender o mundo. Acabará ficando doente. E? preciso viajar. Vou fazer uma viagem neste verão. Quer me acompanhar?
    Eu gostaria muito de tê-lo comigo. Pagarei a viagem.
    – Você vai muito longe? – inquiriu o sábio.
    – Isso depende – disse a sombra.
    Uma viagem vai restabelecer-lhe as forças. Se vier como minha sombra, farei todos os gastos.
    – E? uma loucura – disse o sábio.
    – Assim é o mundo – disse a sombra. E assim ficará. A sombra partiu sem dizer mais nada.
    O sábio não ia bem. Estava cheio de ansiedade e aborrecimento. O que ele dizia sobre a verdade, a beleza e o bem, era, para a maioria, o que são as pérolas para os porcos. Finalmente caiu verdadeiramente doente.
    – Você tem mesmo o ar de uma sombra – diziam-lhe osoutros.
    E, a esse pensamento, o sábio tremia.
    – Você precisa mesmo viajar – disse a sombra quando foi visitá-lo.
    – Não há outro meio. Nós somos velhos conhecidos, eu o levo. Pagarei a viagem. Você poderá escrever mais tarde sobre a mesma e, ao mesmo tempo, ajudar-me-á a não me aborrecer. Quero ir para uma estação de águas: minha barba não cresce como deve. Também é uma doença, pois todos devem ter barba. Seja condescendente, aceite a minha proposta; viajaremos juntos.
    Partiram. Agora a sombra era o mestre e o mestre transformara-se em sombra. Viajaram juntos, de carro ou a cavalo, lado a lado, ou um atrás do outro, de acordo com a posição do sol. A sombra ficava sempre ao lado do seu mestre, sem que o sábio dissesse nada. Tinha muito bom coração, era doce e amável.
    Eis por que ele disse um dia à sombra:
    – Já que agora nós somos companheiros de viagem, e que, além do mais, estamos; ligados desde a infância, não poderíamos beber à nossa fraternidade? Nossa amizade ficará ainda mais sólida.
    – Você acaba de dar a sua opinião – disse a sombra, que agora era o mestre. – Falou com a liberdade do coração e eu farei o mesmo, já que é sábio, deve saber o quanto a natureza é caprichosa. Muitas pessoas não podem ouvir barulho de papel, outras ficam nervosas quando se arranha um vidro com um alfinete. Eu ficava assim quando era obrigado a tratá-lo como senhor. Veja que não se trata de orgulho, mas de sensação. Mas já que você não se incomoda, faço questão que, de agora em diante, me trate como senhor.
    E assim, o antigo mestre passou a ser tratado como servo. E o sábio, quisesse ou não, tudo suportava.
    No entanto, os dois chegaram à estação de águas. Muitos estrangeiros descansavam no local, e, entre eles, havia a graciosa filha de um rei, cuja doença consistia em ter uma vista muito aguda, o que não deixa de ser uma coisa séria.
    E assim ela logo percebeu que o recém-chegado não era uma pessoa igual aos outros mortais.
    Ele está aqui para fazer crescer a barba, é o que dizem; mas eu vejo bem qual o verdadeiro motivo: ele não tem sombra.

    >Teve um grande desejo de conhecê-lo; assim que pôde iniciou conversa com o estrangeiro, durante um passeio.
    Sendo a filha de um rei, ela não precisava usar de muitas cerimônias.
    – Sua doença – disse ela – consiste em que o senhor não pode projetar uma sombra.
    – Vossa Alteza Real – replicou a sombra – está melhorando muito. O mal de que sofria, de ter a vista muito
    aguda, desapareceu. Está curada: eu possuo, pelo contrário, uma sombra extraordinária. Não vê a pessoa que não deixa de me acompanhar? Os outros possuem uma sombra comum, mas eu não gosto do que é comum. Da mesma forma que alguns fazem seus servos se vestirem melhor do que eles mesmos, eu transformei a minha sombra em homem. Como pode ver, eu cheguei a dar-lhe até uma sombra própria.
    Sem dúvida é uma fantasia dispendiosa, mas gosto de ter algo para mim só.
    Como?, pensou a princesa. Estarei verdadeiramente curada? Esta estação de águas é certamente a mais proveitosa para o meu estado. A água deve ter virtudes milagrosas. Mas, de qualquer forma, não vou partir daqui, pois isto começa a ficar interessante. Gosto muito deste estrangeiro. Contanto que a sua barba não cresça! Senão ele iria embora imediatamente.
    A noite, na grande sala de baile, a filha do rei dançou com a sombra. Por mais leve que ela fosse, ele o era ainda mais. jamais ela vira um tal bailarino. Contou-lhe de onde vinha. E ele conhecia seu país; lá estivera, mas ela não se encontrava em casa. Ele olhara por todas as janelas, altas e baixas e observara tudo.
    Pôde assim responder à filha do rei e dar-lhe indicações que a deixaram estupefata. Devia ser o homem mais sábio do mundo. Levou a sua sabedoria em grande consideração. E quando dançaram uma segunda vez juntos, ela apaixonou-se perdidamente por ele, o que a sombra percebeu muito bem. Ao dançar novamente, ela esteve a ponto de confessar seu amor. Mas pensou um pouco em seu país, seu reino e em tudo aquilo que teria de governar um dia. Trata-se de um homem sábio, dizia ela para si mesma. Dança maravilhosa-mente bem. Mas o importante é saber se possui também conhecimentos fundamentais. Vou fazer-lhe um exame. Então ela começou a fazer-lhe as perguntas mais difíceis. Ela mesma não seria capaz de respondê-las. A sombra fez um gesto singular.
    – O senhor não poderá responder dizia a filha do rei.
    – Mas eu sei o que me pergunta desde os tempos da escola – respondeu a sombra. Chego até a pensar que minha sombra, que está encostada na porta, poderá responder.
    – Sua sombra! – replicou a filha do rei. – Eis uma coisa que seria admirável!
    – Não afirmo que ela o faça – continuou a sombra – mas acredito que sim. Há tantos anos que me acompanha e me ouve. Mas Vossa Alteza Real me permite dizer-lhe que ela tem o orgulho de passar por um homem e que, se estiver de bom humor – e ela deve estar para poder responder convenientemente – é preciso tratá-la como tal.
    – Gosto de um tal orgulho – disse a filha do rei. Foi reunir-se ao sábio, na porta, e falou-lhe sobre o sol e a lua, sobre o homem exterior e interior. E ele respondeu bem e inteligentemente.
    Como deve ser o homem que tem uma sombra tão sábia!, pensava ela. Será uma verdadeira bênção
    para meu povo e para o Estado se eu o tomar para marido. Vou fazê-lo.
    E suspirou.
    – Você tem um caráter nobre – disse a filha do rei.
    À noite, toda a cidade foi iluminada. O canhão troou e a filha do rei e a sombra acertaram tudo. Todavia, ninguém devia saber de seus planos antes que ela entrasse em seu reino.
    – Ninguém, nem mesmo a minha sombra – disse a sombra. Estava pensando em algo.
    Logo eles se encontraram no país da filha do rei.
    – Ouça, meu bom amigo – disse a sombra ao sábio:
    – Atualmente eu me tornei mais feliz e poderoso do que qualquer outra pessoa no mundo; e vou fazer por você algo de excepcional. Morará constantemente comigo no castelo, viajará em minha carruagem real e terá um grande ordenado anual. Somente é preciso que não diga a ninguém que é um homem; e, uma vez por ano, quando eu estiver sentado ao sol para que todos me vejam, você se deitará aos meus pés, como convém a uma verdadeira sombra. Confio-lhe que vou me casar com a filha do rei; o casamento será celebrado esta noite.
    – Não, isso é uma loucura! – disse o sábio. – Não quero e não o farei. Seria enganar o país inteiro, e, sobretudo, a filha do rei. Vou contar tudo: que o homem sou eu e que você é somente uma sombra que veste roupas de homem.
    – Ninguém vai acreditar – disse a sombra.
    – Tenha juízo, senão chamarei os guardas!
    – Vou procurar a filha do rei – disse o sábio partindo.
    – Também vou – gritou a sombra. E você irá para a
    prisão.
    Foi o que aconteceu, pois os guardas lhe obedeceram, sabendo que a filha do rei o escolhera para marido.
    – Está tremendo? – perguntou a filha do rei à sombra
    que chegava.
    – Aconteceu alguma coisa? Não deve ficar doente justamente na noite de nossas núpcias.
    – Aconteceu-me a coisa mais espantosa que se poderia conceber – disse a sombra. – Imagine só – é verdade que um
    pobre cérebro de uma sombra não pode ser muito sólido – imagine: minha sombra enlouqueceu. Ela acha
    que sou eu e que eu sou a sua sombra!
    – E? incrível! – disse a princesa. – Prenderam-na?
    – Sim, mas tenho medo de que nunca mais recupere a
    razão.
    – Pobre sombra! – replicou a princesa. – Deve ser muito infeliz. Seria uma boa ação, realmente, dispensá-la da sua
    vida de sombra. Quanto mais penso, mais me parece de bom alvitre desembaraçarmo-nos dela sem escândalo.
    – É realmente penoso – disse a sombra. – Sempre foi um leal servidor.
    Os soldados apresentaram armas. Era a noite do casamento. A filha do rei e a sombra apareceram no balcão para que fossem vistos e saudados mais uma vez pela multidão.
    O sábio ficou ignorando toda essa solenidade: haviam-lhe tirado a vida.

    • Nunca disse que constava. Leia o texto de apresentação novamente e você perceberá sua falha de interpretação. Lá diz: “Aqui se encontram todos os contos do fabulista dinamarquês Hans Christian Andersen JÁ PUBLICADOS NO COVIL!”

      Mas é uma falha comum. Muitos já reclamaram da mesma coisa nos menus dos outros autores. Mas basta ler para entender direitinho.

      Espero que o Covil tenha ajudado de alguma forma. Abraços e volte sempre!

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